29 setembro 2013

Chuva




Hoje chove muito, muito,
e parece que estão lavando o mundo.
meu vizinho do lado contempla a chuva
e pensa em escrever uma carta de amor/
uma carta à mulher que vive com ele
e cozinha para ele e lava a roupa para ele e faz amor com ele
e parece sua sombra/
meu vizinho nunca diz palavras de amor à mulher/
entra em casa pela janela e não pela porta/
por uma porta se entra em muitos lugares/
no trabalho, no quartel, no cárcere,
em todos os edifícios do mundo/
mas não no mundo/
nem numa mulher/ nem na alma/
quer dizer/ nessa caixa ou nave ou chuva que chamamos assim/

como hoje/ que chove muito/
e me custa escrever a palavra amor/
porque o amor é uma coisa e a palavra amor é outra coisa/
e somente a alma sabe onde os dois se encontram/
e quando/ e como/
mas o que pode a alma explicar?/
por isso meu vizinho tem tormentas na boca/
palavras que naufragam/
palavras que não sabem que há sol porque nascem e morrem na mesma noite em que amou/
e deixam cartas no pensamento que ele nunca escreverá/
como o silêncio que há entre duas rosas/
ou como eu/ que escrevo palavras para voltar
ao meu vizinho que contempla a chuva/
à chuva/
ao meu coração desterrado/

Juan Gelman

Do livro: Isso
Coleção Poetas do Mundo
Tradução: Andityas Soares de Moura e Leonardo Gonçalves

2 comentários:

Domingos Barroso disse...

abraço carinhoso,
Carol...

[belo poema
do Juan Gelman..]

Carol Timm disse...

É domingos... o Juan sabia das palvras que não traduzem o amor e por isso escrevia como quem não sabia de nada.
Abs, Carol