13 junho 2012

CORAÇÃO




Algumas pessoas vendem o sangue. Você vende o coração.
Era isso ou a alma.
O difícil é tirar a porcaria lá de dentro.
Uma espécie de torção, como tirar da concha uma ostra,
... sua coluna um punho,
e então, upa! ei-lo em sua boca.
Você se vira parcialmente do avesso
como uma anêmona do mar tossindo uma pedra.
Há um chape curto, o ruído alto
de entranhas de peixe caindo num balde,
e lá está ele, um imenso coágulo brilhante vermelho-escuro
do passado ainda vivo, inteiro no prato.

Passam-no ao redor. É escorregadio. Derrubam-no,
mas também o experimentam. Áspero demais, um diz. Salgado demais.
Azedo demais, diz outro, fazendo careta.
Cada um é um gourmet momentâneo,
e você fica ali ouvindo tudo isso
no canto, como um garçom recém-contratado,
a mão reservada e competente na ferida escondida
no fundo da camisa e do peito,
timidamente, sem coração.

Poema de Margaret Atwood - Tradução de Adriana Lisboa

Publicado na RISCO, Página de Poesia editada por Carlito Azevedo