30 setembro 2011

Alguns gostam de poesia


Alguns -
ou seja nem todos.
Nem mesmo a maioria de todos, mas a minoria.
Sem contar a escola, onde é obrigatório
e os próprios poetas,
seriam talvez uns dois em mil.

Gostam -
mas também se gosta de canja de galinha,
gosta-se da galanteios e da cor azul,
gosta-se de um xale velho,
gosta-se de fazer o que se tem vontade
gosta-se de afagar um cão.

De poesia -
mas o que é isso, poesia.
Muita resposta vaga
já foi dada a essa pergunta.
Pois eu não sei e não sei e me agarro a isto
como a uma tábua de salvação.

Wislawa Szymbroska

24 setembro 2011

Carta Musical

Fotografia: Carol Timm - Vista do Corcovado, 2011


Olá, Senhor!
Escreve-te
um poeta menor,
uma voz do coro,
um pequeno pinheiro do pinhal,
um clarinete na orquestra da escola.


Achas que é assim tão
fácil, Senhor,
ser uma voz no coro,
um peixe na água,
não perturbar a Tua ordem?
Pior, porém, é o destino gelado
desses que foram feitos para serem
o primeiro violino
ou o pico mais alto da montanha.


A nós não nos custa nada afundar,
ano sim ano sim, dia após dia,
as nossas raízes no mais fundo
e praticar as nossas escalas
esperando que o maestro,
posicionado no seu lugar,
aponte a sua batuta -
então um solo sublime começa a soar
levando às lágrimas as próprias montanhas.


Marina Boroditskaya


(Versão do LP - do blog Do trapézio, sem rede -  a partir da tradução inglesa de Ruth Fainlight reproduzida em An anthology of contemporary russian women poets, selecção de Valentina Polukhina e Daniel Weissbort, University of Iowq Press, Iowa Press, 2005, pp. 19-20).


09 setembro 2011

Metamorfose


Metamorfose Ambulante


Prefiro ser
Essa metamorfose ambulante
Eu prefiro ser
Essa metamorfose ambulante


Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo


Eu quero dizer
Agora, o oposto do que eu disse antes
Eu prefiro ser
Essa metamorfose ambulante


Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo


Sobre o que é o amor
Sobre o que eu nem sei quem sou


Se hoje eu sou estrela
Amanhã já se apagou
Se hoje eu te odeio
Amanhã lhe tenho amor


Lhe tenho amor
Lhe tenho horror
Lhe faço amor
Eu sou um ator


É chato chegar
A um objetivo num instante
Eu quero viver
Nessa metamorfose ambulante


Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo


Sobre o que é o amor
Sobre o que eu nem sei quem sou


Se hoje eu sou estrela
Amanhã já se apagou
Se hoje eu te odeio
Amanhã lhe tenho amor


Lhe tenho amor
Lhe tenho horror
Lhe faço amor
Eu sou um ator


Eu vou lhe desdizer
Aquilo tudo que eu lhe disse antes
Eu prefiro ser
Essa metamorfose ambulante


Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo

Raul Seixas

07 setembro 2011

This Mortal Coil, my father

Fotografia: da internet - sem autoria


Meu pai sempre me prometeu
Que viveríamos na França
Íamos de barco pelo rio Sena
E eu gostaria de aprender a dançar.

Vivíamos em Ohio, e então
Ele trabalhou nas minas
Os sonhos dele eram como barcos
Sabíamos que seria navegar no tempo.

Minhas irmãs cresceram e foram embora
Para Denver e Cheyenne
Casaram-se com seus sonhos de adulto
Os liláses e os homens.

Eu fiquei para trás, o mais novo
ainda dançava sozinho.
Esperando, esperando que os sonhos do meu pai
um dia pudessem me levar para casa.

Eu vivo em Paris agora
Minhas crianças dançam e sonham
Ouvem modos de vida de um mineiro
Em palavras que nunca dizem.

Eu navego em minhas lembranças de casa
Como barcos cruzando o Sena
E vendo os olhos do meu pai
Assistindo o pôr do sol
Que se define nos olhos de meu pai.

Canção: This Mortal Coil, my father.

No youtube: http://www.youtube.com/watch?v=ea8azaTx9VI

Novamente peguei este poema-canção no maravilhoso
blog do Leo: http://umolharsonhador.blogspot.com/