23 fevereiro 2011

Hotel Insónia

Imagem selecionada do filme: Asas do Desejo, de Wim Wenders



Gostava do meu buraquinho,
com a janela defronte para a parede de tijolo.
Na porta ao lado havia um piano.
Algumas tardes por mês
um velho aleijado vinha tocar
"My Blue Heaven."


Mas havia, normalmente, sossego.
Cada quarto com a sua aranha no seu pesado sobretudo
A apanhar a sua mosca com uma teia
De fumo de cigarro e devaneios.
Tão escuro,
que não podia ver a minha cara no espelho da barba.


Às 5 da manhã o som de pés descalços lá em cima.
O Cigano que lia a sina,
Cujo estabelecimento ficava à esquina,
A urinar depois de uma noite de amor.
Uma vez, também, o som de uma criança a chorar.
Tão próximo estava, pensei
Por um momento, que era eu quem chorava.

©Charles Simic

Tradução: António Ladeira
Poema publicado no ótimo blog Do trapézio, sem rede

20 fevereiro 2011

Aeromoça

Amplie a foto para ler a legenda


E uma aeromoça mandou apagar todos os apretechos de fumo
E não especificou: cigarro, charuto ou cachimbo.
E eu respondi no meu coração: você tem belos apretechos de amor,
E também não especifiquei.

E ela disse que eu apertasse o cinto e me afivelasse
À poltrona, e eu respondi:
Quero que todas as fivelas na minha vida tenham a forma da sua boca.

E ela disse: Você quer café agora ou mais tarde,
Ou nunca. E passou por mim,
Alta de tocar o céu.

A pequena cicatriz no alto do seu braço
Indicava que jamais contrairia varíola
Seus olhos indicavam que jamais voltaria a se apaixonar:
Pertence ao partido conservador
Daqueles que só têm um grande amor na vida

©Yehuda Amichai

Tradução de Monique Balbuena, publicado na página Risco,
caderno "Prosa e Verso", O Globo, 8 de maio de 2010.

16 fevereiro 2011

O luar através dos altos ramos

Fotografia: ©Carol Timm


XXXV


O luar através dos altos ramos,
Dizem os poetas todos que ele é mais
Que o luar através dos altos ramos.


Mas para mim, que não sei o que penso,
O que o luar através dos altos ramos
É, além de ser
O luar através dos altos ramos,
É não ser mais
Que o luar através dos altos ramos.


©Alberto Caeiro (4-3-1914)
(heterônimo de Fernando Pessoa)

12 fevereiro 2011

InCertezas



O vento vem desfolhar
as simetrias do mundo
e o tempo que não dorme
tece fios
num labirinto de esperas.


Ela aprendeu a enganar
o tempo
o vento e as horas
: criou teares e agora
veste auroras
e inventa flores
das horas de incerteza.


©Adelaide Amorim


Do lindo blog INSCRIÇÕES
da amiga que escreve tão lindo...